Antonio concluía o ano escolar de 2019, e tinha uma ideia, digamos, fixa, que era realizar um sonho, muito acalentado, em seu coração de menino. Não, não tinha relação com aquilo de “pedir um brinquedo ao Papai Noel”. Ele precisava de grana para comprar um presente para seu amigo, aquele das brincadeiras na pracinha depois do horário escolar. Mas ele próprio faria o presente, e seria especial.

Nos últimos dias de aula, ouviu da professora, Dona Sonia, sobre a importância de ajudar alguém, que ela denomina “próximo”, durante o ano. No caso de ter esquecido, fazer algo, então, por ocasião do Natal.

Por quê? Ora, o que os reis magos fizeram perto do presépio? O que os pastores e até os animais fizeram diante da criança chamada Jesus? Antonio não esquece do que ouviu da mestra:

― Faça algo por alguém, mais pobre ou menos pobre, seja grande ou pequeno, gordo ou magro, novo ou velho, de qualquer cor, sadio ou doente e passando ou não por alguma dificuldade. Faça algo para salvar os rios, os animais, as praças, os parques. Precisamos sair do conforto e fazer algo bom, você vai ver como seu coração vai bater mais forte...

Bater forte? No peito de Antonio havia um turbilhão de batidas. E agora aquelas frases da mestra não saem mais da sua cabeça. Vão e voltam como música que se repete o dia inteiro. Ele passou a ficar “direto no celular”, como se diz de quem quase não muda de atividade, pouco toma banho, pouco dorme, pouco come. Concentrado, levou um susto ao ouvir a voz do pai:

- Pesquisando algo interessante, filho?

- Da Vinci, todo mundo fala desse artista, mas visitei Portinari, andei vendo as pinturas de Anita Malfatti, Van Gogh... Papai, quanta gente sabe pintar! E eu acho que, também, porque na escola, me dizem que desenho bem.

- E já achou o que procurava?

- Quero realizar um sonho, você vai me ajudar, não vai? Sabe aquele presente de Natal que eu ganho todo ano em forma de presente? Pois é, dessa vez ..., ai que vergonha..., mas seria possível ser em dinheiro? Porque eu quero realizar três sonhos: comprar uma camiseta branca, pintá-la e dá-la ao melhor amigo, o Lucas.

O pai começou a achar aquilo tudo diferente e lhe disse que o ajudaria, mas a responsabilidade seria dele, e perguntou sobre o amigo Lucas. Ele nasceu no Brasil e os pais são do Haiti. Os dois amigos conversam sobre os diferentes costumes das famílias, enquanto brincam após as aulas da tarde.

Marcia, mãe de Antonio, chegou a tempo de ouvir as últimas frases da conversa de ambos, e trocaram ideias sobre a, digamos, ideia fixa de Antonio. Claro, concordaram com o filho. Fizeram questão de aumentar a quantia solicitada para que ele pintasse uma camiseta para si também. E já começaram a pensar em fazer um programa de Natal ou final de ano incluindo os pais de Lucas.

Cantora Simone, ainda não está na hora de cantar “então é Natal”. Nem Novena é. Mas a preparação sim. Segredo no ar. Antonio e Lucas andam lendo tudo sobre proteger a Natureza, porque se sentem Natureza quando correm, jogam lixo na lixeira, disponibilizam bebedouros com água limpa aos pássaros, e riem ao fazerem fotos deles, lindos, de todas as cores.

A pintura é segredo. Os pais do menino, curiosos. Viram ao lado das anotações de Antonio, no pequeno atelier improvisado no quarto, desenhos, esboços, conforme fazem os diferentes pintores e pintoras, e um manuscrito de versos da canção Natureza Mãe (1996), da cantora Eliana:

“Aqui está a natureza, vê quanta beleza, estou onde ela estiver”.

E Antonio criou: “Eu sou você, Natureza, e você é cada um de nos”. Não é que ele tem razão?